terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Quando a Fazenda Pública deixa de apelar de uma sentença, mas esta é apreciada pelo Tribunal competente por conta do Reexame Necessário, do acórdão proferido pelo Tribunal (em reexame necessário) cabe Recurso Especial manejado pela Fazenda Pública ou seria caso de preclusão lógica?

O Superior Tribunal de Justiça, desde a manifestação da 1ª seção no REsp 904.885/SP de relatoria da Ministra Eliana Calmon, entendia majoritariamente não ser cabível o recurso especial contra acórdão proferido em reexame necessário, quando ausente recurso voluntário do ente público, pois haveria, nessa hipótese, preclusão lógica.
A Min. Eliana Calmon defende que,
Diante da impossibilidade de agravamento da condenação imposta à Fazenda Pública (súmula 45 do STJ), chega a ser incoerente e de duvidosa constitucionalidade a permissão de que entes públicos rediscutam os fundamentos da sentença, não no momento oportuno, mas mediante a interposição de recurso especial contra o acórdão que manteve a sentença em sede de reexame necessário.” (REsp 904885/SP, julgado em 12/11/2008, DJU 09/12/2008).
No entanto, como havia julgados em sentido contrário (AgRg no REsp 944.427/SP, Rel. Min. LUIZ FUX, 1ª T, julgado em 23/04/2009, DJe 25/05/2009; AgRg no REsp 1063425/RS, Rel. Min. NILSON NAVES, 6ª T, julgado em 14/10/2008, DJe 09/12/2008, e; AgRg nos EDcl no REsp 1036329/SP, Rel. Min. DENISE ARRUDA, 1ª T, julgado em 05/06/2008, DJe 18/06/2008), o REsp 905.771/SP, de relatoria do Ministro Teori Zavaski, 1ª Turma, foi submetido a julgamento da Corte Especial por conter questão do interesse de todas as Seções do STJ.
A Corte Especial do STJ entendeu ser cabível o recurso especial em reexame necessário, porque considerou desarrazoado exigir que o Poder Público, diante do reexame necessário, fosse obrigado a interpor apelação autônoma para somente assim poder acessar as instâncias extraordinárias.
Essa é também a posição do professor Didier:
“Não há nenhuma conduta contraditória ou desleal da Fazenda Pública em não recorrer. Como existe o reexame necessário, é legítimo que deixe de haver recurso, pois o caso já será revisto pelo tribunal. Ao deixar de recorrer, a Fazenda está valendo-se de uma regra (antiga, diga-se de passagem) que lhe garante o reexame da sentença pelo tribunal. Não houve ato em sentido contrário, nem há qualquer contradição.” (DIDIER JR, Fredie e CARNEIRO DA CUNHA, Leonardo José. Admissibilidade de recurso especial em reexame necessário. Novo entendimento do STJ. Editorial 109 – 21/09/2010)
No relatório do REsp 905.771, o Ministro Zavaski afasta a tese central da posição contrária: preclusão lógica. Defende que a não propositura do recurso de apelação pela Fazenda não indica de forma inequívoca a aceitação tácita dos termos da sentença de primeiro grau, e, por conseguinte, não implica em preclusão lógica.
Explica que a preclusão lógica no direito brasileiro está prevista nos arts. 502 e 503 CPC e tem duas espécies: (a) a renúncia ao recurso que é ato unilateral e expresso e (b) a aquiescência ou aceitação da desistência que é ato unilateral, podendo ser expresso ou tácito, mas necessariamente comissivo. Portanto, “deixar de recorrer” não se enquadraria em nenhum das espécies. 
Além disso, considerando a existência do instituto do reexame necessário e de seu amplo efeito devolutivo (Súmula 325 do STJ: "A remessa oficial devolve ao Tribunal o reexame de todas as parcelas da condenação suportadas pela Fazenda Pública, inclusive dos honorários de advogado), a Fazenda deixar de apresentar apelação não pode ser visto como um comportamento que indique de forma inequívoca a vontade de não recorrer porque, na prática, essa apelação é apenas um reforço de argumentação. As teses fazendárias já compõem o objeto cognitivo do Tribunal, independentemente da interposição do recurso. Ou seja, a apelação não inova ou amplia o âmbito de cognição ou os efeitos do julgamento pelo Tribunal.
Ainda sobre a possibilidade de ocorrer preclusão lógica, o acórdão proferido pelo Tribunal opera o efeito substitutivo da sentença, previsto no art. 512 do CPC. Portanto, não há preclusão, nem trânsito em julgado contra a Fazenda (Súmula 423/STF: Não transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso 'ex officio', que se considera interposto 'ex lege').
Por fim, os representantes judiciais da Fazenda Pública não estão autorizados a renunciar ao direito de recorrer. Para tanto, precisariam de outorga formal de poderes específicos.
O relator assevera ainda que seria possível que o recurso interposto no STJ se desse por error in judicando do tribunal de origem (como omissão ou contradição). De acordo com o Min. Zavaski, esta circunstância estaria imune a qualquer tentativa de correção se outra corrente fosse adotada. No entanto, em voto-vista a Ministra Eliana Calmon, que ainda defende a corrente pelo não cabimento de recurso especial em reexame necessário, deixa claro que:
“(...) se houver mudança de entendimento no Tribunal, o qual não poderá alterar para piorar a situação do ente público (Súmula 45/STJ), ou se surgirem nulidades, por exemplo, como aventou o relator, é natural que a Fazenda recorra para argüir a causa superveniente. O que não se admite é o fato de vir a reabrir a Fazenda, perante o STJ, discussão de uma tese jurídica sobre a qual não houve controvérsia nas instâncias ordinárias”. (grifo ausente no original)
Fato é que as prerrogativas em favor da Fazenda Pública não mais se justificam tendo em vista a boa estrutura da advocacia pública. O recente posicionamento da Corte Especial vai de encontro à busca da celeridade e da efetividade ao direito de acesso à justiça.
Assim, pelo exposto, conclui-se que em 2010, por decisão da maioria da Corte Especial, houve uma mudança de entendimento no STJ. Agora é cabível a interposição de recurso especial contra acórdão proferido em reexame necessário, mesmo quando ausente recurso voluntário do ente público.

Referências

DIDIER JR, Fredie e CARNEIRO DA CUNHA, Leonardo José. Admissibilidade de recurso especial em reexame necessário. Novo entendimento do STJ. Editorial 109 – 21/09/2010. Fonte: www.frediedidier.com.br. Disponível em: http://www.fiscolex.com.br/doc_11695124_ADMISSIBILIDADE_RECURSO_ESPECIAL_REEXAME_NECESSARIO_NOVO_ENTENDIMENTO_STJ.aspx. Acessado em: 11 fev 2011.

REsp 904885/SP, Relatora Min. Eliana Calmon - Segunda Turma. Disponível em: http://www.stj.gov.br/webstj/processo/justica/detalhe.asp?numreg=200602597680
REsp 905771/CE, Relator     Min. Teori Albino Zavascki - Primeira Turma. Disponível em: http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Justica/detalhe.asp?numreg=200602619914&pv=010000000000&tp=51

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Sobre a obrigatoriedade de licitar, prevista como regra na CF e na Lei nº 8.666/93, como está a situação dos conselhos de classe, da Petrobrás, das Organizações Sociais e das OSCIP’s?


O art. 37, XXI, da Constituição Federal acrescentou o Princípio da Obrigatoriedade de Licitação aos demais princípios administrativos. Assim, a Administração Pública Federal, Estadual e Municipal, não possui liberdade quando deseja contratar, pois deve sempre visar o interesse público.
Partindo da premissa que os conselhos de classe não têm natureza privada porque exercem poder de polícia e, por isso, não podem ter suas atribuições delegadas pelo Estado, conclui-se que os conselhos de classe têm natureza pública, autárquica, e, por isso, devem licitar nos moldes da lei nacional de licitações como determina os arts. 22, XXVII e 37, XXI ambos da Constituição Federal.
A OAB, apesar de também ser um conselho de classe, está dispensada de licitar nos termos da ADI 3026:
“(...) 3. A OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União. A Ordem é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro. 4. A OAB não está incluída na categoria na qual se inserem essas que se tem referido como "autarquias especiais" para pretender-se afirmar equivocada independência das hoje chamadas "agências". 5. Por não consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não está sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada.(...)”
(ADI 3026 / DF, Pleno, Relator(a): Min. EROS GRAU, j. 08/06/2006)

A Petrobrás é um caso à parte porque os moldes de sua licitação ainda não estão definidos. A Petrobrás defende um procedimento (1) simplificado nos termos art. 67 da lei da ANP, lei nº 9478/97, regulamentado pelo decreto presidencial nº 2.745/98, e (2) o TCU, por considerar não recepcionado o art. 67 da lei da ANP com a superveniente inclusão do art. 173, §1º, III pela emenda constitucional 19/98, defende um procedimento nos moldes da lei nacional de licitação enquanto não sobrevier uma lei nacional regulamentado o procedimento simplificado para todas as empresas públicas e sociedades de economia mista do país.
Por enquanto, a Petrobrás continua licitando nos termos do decreto presidencial devido a decisões liminares em Mandado de Seguraça impetrados em face de todas as decisões do TCU que suspendiam as licitações simplificadas.
O STF baseia essas decisões liminares no fato de a Petrobras, após a relativização do monopólio do petróleo trazida pela Emenda Constitucional n° 9/95, exercer a atividade econômica de exploração do petróleo em regime de livre competição com as empresas privadas concessionárias da atividade que não estão submetidas às regras rígidas de licitação e contratação da Lei n° 8.666/93. Como a livre concorrência pressupõe a igualdade de condições entre os concorrentes, o Superior Tribunal Federal tem reiteradamente suspendido as determinações do TCU a respeito das licitações simplificadas.
Além disso, a professora Raquel Carvalho explica que em algumas decisões é possível extrair que o STF entende que a declaração de inconstitucionalidade pelo TCU do artigo 67 da Lei nº 9.478/97 e, consequentemente, do Decreto presidencial nº 2.745/98, fere a Constituição porque extrapola a competência do órgão.
Já as Organizações Sociais (OS) e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) são qualificações dadas a entidades de direito privado que realizam uma atividade de relevância social, de forma complementar à Administração Pública, tendo como apoio o financiamento feito pela própria Administração. Por isso, assumem também as obrigatoriedades inerentes às atividades da Administração.
A OSCIP é regulada pela Lei nº 9.790/99 e em seu art. 14, estabelece que a própria OSCIP versará em seu regulamento sobre o procedimento pelo qual contratará serviços ou obras, com o emprego de recursos públicos. No entanto, o art.37, XXI da CF determina a obrigatoriedade da licitação quando utilizados recursos públicos, pois se trata de interesse público indisponível, que não pode admitir o livre arbítrio do particular. Nesse sentido o Mestre em Direito do Estado pela UFPR, Tarso Cabral Violin:
O art. 119 da Lei n.º 8.666/93 determina que as entidades da Administração indireta federal e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União editarão regulamentos próprios devidamente publicados, ficando sujeitas às disposições da Lei de Licitações. Diante deste dispositivo legal, entendemos que o regulamento próprio das OSs e OSCIPs para suas contratações deverá atender as normas gerais e princípios da Lei Nacional de Licitações, sob pena de ser considerado ilegal e até inconstitucional.

Nesse sentido, foi editado o art. 1º, §5º do decreto presidencial nº 5.504/95 que determina que OS e OSCIP que receba repasse voluntário de recursos públicos da União deve realizar processo de licitação pública. Esse artigo estabelece ainda, em seu §1º, que OS e OSCIP utilizarão obrigatoriamente a modalidade pregão quando da aquisição de bens e serviços comuns.
§1º Nas licitações realizadas com a utilização de recursos repassados nos termos do caput, para aquisição de bens e serviços comuns, será obrigatório o emprego da modalidade pregão, nos termos da Lei no 10.520, de 17 de julho de 2002, e do regulamento previsto no Decreto no 5.450, de 31 de maio de 2005, sendo preferencial a utilização de sua forma eletrônica, de acordo com cronograma a ser definido em instrução complementar.

Assim, concluímos que conselhos de classe, salvo a OAB, devem licitar; que a Petrobrás, por ora, realiza procedimento simplificado nos termos do decreto presidencial nº 2.745/98; que as Organizações Sociais e as OSCIP quando utilizarem dinheiro público devem licitar e, caso aplicável, devem utilizar a modalidade pregão.

Referência:
VIOLIN, Tarso Cabral. Terceiro Setor e as Parcerias com a Administração Pública: uma análise crítica. Editora Fórum, 2006 apud Zilli, Kaio Murilo da Silva. OSCIP e a licitação – questão polêmica. Disponível em: http://www.webartigos.com/articles/6910/1/Oscip-E-A-Licitacao--Questao-Polemica/pagina1.html#ixzz16aRh9bHS acesso em: 26 nov 2010

CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo - Parte Geral, Intervenção do Estado e Estrutura da Administração- 2a ed.- Rev., amp. e atualizada