terça-feira, 26 de outubro de 2010

Em sede de mandado de segurança, quais as hipóteses em que é possível a aplicação da ‘teoria da encampação’ relativamente à autoridade coatora?

As hipóteses de aplicação da “teoria da encampação” em sede de mandado de segurança surgiram da dificuldade de definição da correta autoridade coatora para impetração do mandado de segurança devido à complexidade organizacional de alguns órgãos públicos. Essas hipóteses podem ser extraídas da ementa da decisão exarada pela 3ª Seção do STJ no Mandado de segurança nº 11.727/DF a seguir:

"MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. DELEGADO FEDERAL. LEGITIMIDADE DA AUTORIDADE APONTADA COMO COATORA. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. CONCLUSÃO DE CURSO DE FORMAÇÃO POR FORÇA DE MEDIDA LIMINAR. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO À NOMEAÇÃO. 1. De acordo com a teoria da encampação, adotada por este Superior Tribunal de Justiça, a autoridade hierarquicamente superior, apontada como coatora nos autos de mandado de segurança, que defende o mérito do ato impugnado ao prestar informações, torna-se legitimada para figurar no pólo passivo do writ. (...) 5. Mandado de segurança denegado." (Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 27.09.2006, DJ 30.10.06, grifei)

Dessa ementa extrai-se que a teoria da encampação pode ser aplicada quando (1) o impetrante da segurança engana-se na indicação da autoridade coatora, indicando alguma autoridade hierarquicamente superior à que deveria figurar no processo e (2) essa autoridade superior não se limita a informar sua ilegitimidade passiva, prestando as informações que deveriam ser prestadas pela autoridade que lhe é subordinada, posicionando-se quanto ao mérito do ato atacado. Dessa forma, a autoridade superior, inicialmente ilegítima para figurar no pólo passivo da segurança, passa a ser legitimada para tal, porque “encampou” o ato.
O aresto seguinte é de solar clareza:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CEBAS. CANCELAMENTO DE ISENÇÃO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. 1. São três os requisitos para aplicação da teoria da encampação no mandado de segurança: existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado; ausência de modificação de competência estabelecida na Constituição Federal; e manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas. Precedente da Primeira Seção: MS 10.484/DF, Rel. Min. José Delgado. (...) (MS 12.779/DF, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13.02.2008, DJ 03.03.2008 p. 1, grifei)

            Observe que a autoridade apontada como coatora e que "encampa" o ato atacado deve ser hierarquicamente superior da que deveria, legitimamente, figurar no processo, pois não se pode ter por eficaz qualquer "encampação" de competência superior por autoridade hierarquicamente inferior. Isso seria usurpação de competência. Nesse sentido, RMS 21.271/PA.
A posição clássica da doutrina é no sentido da extinção do mandamus em caso de indicação errônea da autoridade coatora. Veja:

“É firme e dominante a jurisprudência no sentido de que a indicação errônea da autoridade coatora afetará uma das condições da ação (legitimatio ad causam), acarretando, portanto, a extinção do processo, sem julgamento de mérito.”[1]

Felizmente, a jurisprudência caminha em direção oposta. A aplicação dessa teoria baseia-se nos princípios que informam o processo civil, como celeridade e economia processual que se desdobram em aproveitamento de atos processuais. Nesse sentido o advogado Daniel Silva Cavalcanti:
“Considerando o escopo inicial do processo, como o postulado do princípio da economia processual e da instrumentalidade das formas acima aludidos, não há que se negar que o Mandado de Segurança alcança a sua finalidade e não prejudica à parte ex-adversa de vir defender-se em juízo, se a autoridade hierarquicamente superior encampa o ato. Se tal encampação ocorrer, surte todos os efeitos de fato e de direito, o que não pode ser renegado no momento do julgamento do mérito da lide.”[2]

Dessa forma, a teoria da encampação representa a nova tendência do Direito brasileiro, pois busca alicerce e motivação em princípios constitucionalmente garantidos, como a promoção do acesso à justiça, priorizando a solução do problema levado ao Judiciário e não as minúcias procedimentais.

Referência:
FERREIRA, Gabriela Gomes Coelho. Que se entende por encampação, em Direito Administrativo? Confunde-se com a Teoria da Encampação, relacionada ao MS?  25/08/2008-11:30. Disponível em: <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080825112914175>. Acesso em: 20 ago. 2010.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. – 19ª ed. São Paulo : Ed. Atlas, 2006.
SILVA, Daniel Cavalcante. A "teoria da encampação" no mandado de segurança em matéria tributária. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 329, 1 jun. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5249>. Acesso em: 20 ago. 2010.


[1] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. – 19ª ed. São Paulo : Ed. Atlas, 2006,  p. 168
[2] SILVA, Daniel Cavalcante. A "teoria da encampação" no mandado de segurança em matéria tributária . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 329, 1 jun. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5249>. Acesso em: 20 ago. 2010.

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