terça-feira, 26 de outubro de 2010

A estabilidade é garantia do empregado público ou este poderá ser demitido sem qualquer fundamentação, mesmo quando tenha ingressado na Administração Pública por meio de concurso?

A estabilidade não é garantia do empregado público em decorrência da literalidade da constituição, abaixo transcrita:
CF, Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público. (Grifo ausente no original).

Tal entendimento foi consolidado na Súmula 390, II do TST:

Súmula 390, II do TST - Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (Grifo ausente no original).

Esta diferença de tratamento baseia-se, em apertada síntese, na diferença dos regimes jurídicos adotados para os servidores e os empregados públicos (regime jurídico público e regime jurídico privado, respectivamente). A garantia da estabilidade, antes de ser um interesse pessoal do servidor, constitui uma garantia aos cidadãos de que o servidor não será objeto de pressões ou influências hierárquicas, políticas, de conveniência ou interesse, prevalecendo, desta forma, o interesse público.
Quanto à necessidade de fundamentação, o Tribunal Superior do Trabalho editou orientação jurisprudencial (OJ) que determina que:

A despedida de empregados de empresa pública e de sociedade de economia mista, mesmo admitidos por concurso público, independe de ato motivado para sua validade. (OJ nº 247, I da SBDI-1 do TST)

Em que pese seja essa a posição jurisprudencial, a doutrina administrativista se posiciona em sentido diametralmente contrário: pela necessidade de motivação de todos os atos da administração visando evitar desvio de finalidade. Como demonstra com habitual clareza o mestre Hely Lopes:

A dispensa ocorre em relação ao admitido pelo regime da CLT quando não há a justa causa por esta prevista. Embora a CLT fale em demissão sem justa causa, preferimos o termo dispensa, porque não tem natureza punitiva. O ato de dispensa, no nosso entender, deve ser motivado, expondo-se por escrito seu motivo ou a sua causa. A motivação decorre dos princípios da legalidade, da eficiência, da moralidade e da razoabilidade, pois só com ela é que poderão ser afastados os desligamentos de celetistas motivados por perseguição política ou por outro desvio de finalidade. Se o particular pode, em tese, desligar o empregado que queira, o mesmo raciocínio não cabe tratando-se de empregado publico. De fato, em razão dos princípios citados e como acentuado em outro tópico, a relação de administração é distinta da relação de propriedade. Nesta, a propriedade e a vontade prevalecem; naquela, o dever ao influxo de uma finalidade cogente. Assim, sem motivação que demonstre finalidade pública a dispensa é ilegal.” (MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, 30ª Edição, Malheiros Editores, 02-2005, págs. 424 e 425, §3° apud CARMONA, Carlos. A estabilidade do empregado publico e sua demissão. disponível em: http://cefcarmona.blogspot.com/2009/07/estabilidade-do-empregado-publico-e-sua.html. Acessado em: 22 out 2010). Grifos ausentes no original.

Além da violação aos princípios acima mencionados, a Administração Pública não pode praticar atos sem motivação porque a legislação ordinária assim determina no art. 50 da lei 9784/99 que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal:

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; (...)

Por todo o exposto, concluímos que a estabilidade não é garantia do empregado público, porém, para respeitar os princípios decorrentes do estado de direito, sua demissão deve ser fundamentada.

Referências:
CARMONA, Carlos. A estabilidade do empregado público e sua demissão. Disponível em: http://cefcarmona.blogspot.com/2009/07/estabilidade-do-empregado-publico-e-sua.html. Acessado em: 22 out 2010
NUNES, Helom César da Silva. Concurso Público garante estabilidade para empregados públicos? Disponível em: http://helomcesar12.wordpress.com/2008/12/01/concurso-publico-garante-estabiliade-para-empregados-publicos/. Acessado em: 22 out 2010.
BARACHO, Alice Acioli Teixeira. A estabilidade é garantia do empregado público ou este poderá ser demitido sem qualquer fundamentação, mesmo quando tenha ingressado na Administração Pública por meio de concurso? Disponível em: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20100524134727463&mode=print. Acessado em: 22 out 2010.

Em sede de mandado de segurança, quais as hipóteses em que é possível a aplicação da ‘teoria da encampação’ relativamente à autoridade coatora?

As hipóteses de aplicação da “teoria da encampação” em sede de mandado de segurança surgiram da dificuldade de definição da correta autoridade coatora para impetração do mandado de segurança devido à complexidade organizacional de alguns órgãos públicos. Essas hipóteses podem ser extraídas da ementa da decisão exarada pela 3ª Seção do STJ no Mandado de segurança nº 11.727/DF a seguir:

"MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. DELEGADO FEDERAL. LEGITIMIDADE DA AUTORIDADE APONTADA COMO COATORA. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. CONCLUSÃO DE CURSO DE FORMAÇÃO POR FORÇA DE MEDIDA LIMINAR. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO À NOMEAÇÃO. 1. De acordo com a teoria da encampação, adotada por este Superior Tribunal de Justiça, a autoridade hierarquicamente superior, apontada como coatora nos autos de mandado de segurança, que defende o mérito do ato impugnado ao prestar informações, torna-se legitimada para figurar no pólo passivo do writ. (...) 5. Mandado de segurança denegado." (Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 27.09.2006, DJ 30.10.06, grifei)

Dessa ementa extrai-se que a teoria da encampação pode ser aplicada quando (1) o impetrante da segurança engana-se na indicação da autoridade coatora, indicando alguma autoridade hierarquicamente superior à que deveria figurar no processo e (2) essa autoridade superior não se limita a informar sua ilegitimidade passiva, prestando as informações que deveriam ser prestadas pela autoridade que lhe é subordinada, posicionando-se quanto ao mérito do ato atacado. Dessa forma, a autoridade superior, inicialmente ilegítima para figurar no pólo passivo da segurança, passa a ser legitimada para tal, porque “encampou” o ato.
O aresto seguinte é de solar clareza:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CEBAS. CANCELAMENTO DE ISENÇÃO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. 1. São três os requisitos para aplicação da teoria da encampação no mandado de segurança: existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado; ausência de modificação de competência estabelecida na Constituição Federal; e manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas. Precedente da Primeira Seção: MS 10.484/DF, Rel. Min. José Delgado. (...) (MS 12.779/DF, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13.02.2008, DJ 03.03.2008 p. 1, grifei)

            Observe que a autoridade apontada como coatora e que "encampa" o ato atacado deve ser hierarquicamente superior da que deveria, legitimamente, figurar no processo, pois não se pode ter por eficaz qualquer "encampação" de competência superior por autoridade hierarquicamente inferior. Isso seria usurpação de competência. Nesse sentido, RMS 21.271/PA.
A posição clássica da doutrina é no sentido da extinção do mandamus em caso de indicação errônea da autoridade coatora. Veja:

“É firme e dominante a jurisprudência no sentido de que a indicação errônea da autoridade coatora afetará uma das condições da ação (legitimatio ad causam), acarretando, portanto, a extinção do processo, sem julgamento de mérito.”[1]

Felizmente, a jurisprudência caminha em direção oposta. A aplicação dessa teoria baseia-se nos princípios que informam o processo civil, como celeridade e economia processual que se desdobram em aproveitamento de atos processuais. Nesse sentido o advogado Daniel Silva Cavalcanti:
“Considerando o escopo inicial do processo, como o postulado do princípio da economia processual e da instrumentalidade das formas acima aludidos, não há que se negar que o Mandado de Segurança alcança a sua finalidade e não prejudica à parte ex-adversa de vir defender-se em juízo, se a autoridade hierarquicamente superior encampa o ato. Se tal encampação ocorrer, surte todos os efeitos de fato e de direito, o que não pode ser renegado no momento do julgamento do mérito da lide.”[2]

Dessa forma, a teoria da encampação representa a nova tendência do Direito brasileiro, pois busca alicerce e motivação em princípios constitucionalmente garantidos, como a promoção do acesso à justiça, priorizando a solução do problema levado ao Judiciário e não as minúcias procedimentais.

Referência:
FERREIRA, Gabriela Gomes Coelho. Que se entende por encampação, em Direito Administrativo? Confunde-se com a Teoria da Encampação, relacionada ao MS?  25/08/2008-11:30. Disponível em: <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080825112914175>. Acesso em: 20 ago. 2010.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. – 19ª ed. São Paulo : Ed. Atlas, 2006.
SILVA, Daniel Cavalcante. A "teoria da encampação" no mandado de segurança em matéria tributária. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 329, 1 jun. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5249>. Acesso em: 20 ago. 2010.


[1] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. – 19ª ed. São Paulo : Ed. Atlas, 2006,  p. 168
[2] SILVA, Daniel Cavalcante. A "teoria da encampação" no mandado de segurança em matéria tributária . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 329, 1 jun. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5249>. Acesso em: 20 ago. 2010.

No que consiste a “inconstitucionalidade progressiva”? Ela já foi utilizada pelo Supremo Tribunal Federal, no Brasil?

"Inconstitucionalidade progressiva", que pode ser denominada também por "inconstitucionalidade temporária" ou "norma ainda constitucional", consiste na declaração de constitucionalidade de uma norma que está “em trânsito, progressivamente, para a inconstitucionalidade”[1]. Ou seja, a norma está em um estágio transitório intermediário, situado "entre os estados de plena constitucionalidade e de absoluta inconstitucionalidade"[2].
Utilizando a técnica da inconstitucionalidade progressiva o STF mantém no ordenamento jurídico uma norma que, apesar de não inteiramente compatível com a constituição, tem sua manutenção justificada por circunstâncias fáticas, como no caso da declaração de constitucionalidade do art. 68 do CPP que prevê a legitimidade ativa do Ministério Público na defesa dos necessitados (tarefa atribuída à Defensoria Pública pela Constituição da República). No aresto abaixo ficou claro que o Tribunal considera que essa norma permanece constitucional apenas enquanto as Defensorias Públicas não forem implementadas, se tornando gradativamente inconstitucional com o processo de implantação dessa instituição:

"LEGITIMIDADE. AÇÃO ‘EX DELICTO’. MINISTÉRIO PÚBLICO. DEFENSORIA PÚBLICA. ARTIGO 68 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CARTA DA REPÚBLICA DE 1988. A teor do disposto no artigo 134 da Constituição Federal, cabe à defensoria pública, instituição essencial à função jurisdicional do Estado, a orientação e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5º, LXXIV, da Carta, estando restrita a atuação do Ministério Público, no campo dos interesses sociais e individuais, àqueles indisponíveis (parte final do artigo 127 da Constituição Federal). INCONSTITUCIONALIDADE PROGRESSIVA. VIABILIZAÇÃO DO EXERCÍCIO DE DIREITO ASSEGURADO CONSTITUCIONALMENTE. ASSITÊNCIA JURÍDICIA E JUDICIÁRIA DOS NECESSITADOS. SUBSISTÊNCIA TEMPORÁRIA DA LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Ao Estado, no que assegurado constitucionalmente certo direito, cumpre viabilizar o respectivo exercício. Enquanto não criada por lei, organizada – e, portanto, preenchidos os cargos próprios, na unidade da Federação – a Defensoria Pública, permanece em vigor o artigo 68 do Código de Processo Penal, estando o Ministério Público legitimado para a ação de ressarcimento nele prevista. Irrelevância de a assistência vir sendo prestada por órgão da Procuradoria Geral do Estado, em face de não lhe competir, constitucionalmente, a defesa daqueles que não possam demandar, contratando diretamente profissional da advocacia, sem prejuízo do próprio sustento" (RE 135328/SP, v.u., Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 20/04/2001, grifei).

A utilização dessa técnica é necessária devido à impossibilidade de o Estado implementar alguns preceitos da ordem constitucional de forma instantânea, principalmente quando para essa implantação são necessárias alterações da realidade fática. No caso da Defensoria Pública, ela somente pode se considerar implantada quando estiver organizada, de direito e de fato, nos moldes do art. 134 da constituição e da lei complementar que a organiza. Enquanto isso, para não deixar os necessitados sem auxílio jurídico do Estado, permanece legitimada outra instituição, o Ministério Público.
A crítica contrária à possibilidade de aplicação da técnica da inconstitucionalidade progressiva argumenta que um dispositivo não poderia ser constitucional agora e inconstitucional amanhã. Não existe essa situação de transição, leis são ou não constitucionais desde seu nascedouro.
Além do caso em comento, a inconstitucionalidade progressiva tem sido utilizada pelo Supremo Tribunal Federal ao proferir outras decisões, como demonstra os seguintes julgamentos: RE 196.857-SP (AgRg), Rel. Min. Ellen Gracie; RE 208.798-SP, Rel. Min. Sydney Sanches; RE 213.514-SP, Rel. Min. Moreira Alves; RE 229.810-SP, Rel. Min. Néri da Silveira e; RE 295.740-SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence.
O Promotor de Justiça em Mato Grosso, Dr. Renee do Ó Souza, e a Bacharel em direito, Alessandra Varrone de Almeida Prado Souza concluem no artigo “da inconstitucionalidade progressiva e sua aplicação abstrata” que:

“Tais raciocínios, ao menos teoricamente, evitariam que uma norma fosse tida como constitucional a pretexto de que no futuro, mediante ação dos Estados (no caso a instituição da defensoria) se torne inconstitucional, o que fomentaria a desídia dos Estados que prorrogam suas responsabilidades e não têm suas omissões devidamente punidas ou rechaçadas.”

A solução da inconstitucionalidade progressiva é eminentemente política. No caso aqui discutido o Tribunal pesou (1) o interesse em manter a assistência jurídica dos necessitados e (2) o flagrante desrespeito à distribuição de funções entre as instituições determinada pela Constituição. O problema é que dessa forma o Judiciário se mantém inerte, à espera da boa vontade dos Estados em instituir a Defensoria Pública, desprestigiando a prevalência da Constituição Federal.

Referência bibliográfica:
SOUZA, Renee do Ó; SOUZA, Alessandra Varrone de Almeida Prado. Da inconstitucionalidade progressiva e sua aplicação abstrata. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 755, 29 jul. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7094>. Acesso em: 22 jun. 2010.
LENZA, Pedro. “Direito Constitucional Esquematizado”. 13. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009.
MENDES, Gilmar Ferreira, "Controle de Constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos". São Paulo: Saraiva, 1990. (dissertação de Mestrado apresentada à UnB em 1987).


[1] LENZA, Pedro. “Direito Constitucional Esquematizado”, p. 211, 13. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009.
[2] MENDES, Gilmar Ferreira, "Controle de Constitucionalidade", p. 21, São Paulo: Saraiva, 1990.